terça-feira, 22 de abril de 2008

Proposta de criar Funtep é contestada por educadores

A proposta de criação do Fundo Nacional de Formação Técnica e Profissional (Funtep), encabeçada pelos ministros Fernando Haddad (Educação) e Carlos Lupi (Trabalho), vem recebendo críticas de educadores e lideranças empresariais no Brasil desde seu anúncio, no fim de março.

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A proposta, restrita aos serviços de aprendizagem, centraliza no governo federal as decisões sobre ensino profissionalizante e pressupõe a alteração da divisão e o direcionamento dos recursos arrecadados pelas entidades do Sistema S - conjunto de entidades que presta serviços à indústria, ao comércio e outras áreas da economia. Os recursos, com amparo constitucional, são destinados ao aperfeiçoamento profissional e melhoria do bem-estar social dos trabalhadores. A estimativa oficial do governo federal é de que somem R$ 13 bilhões anuais.

Para o ex-ministro da Educação e deputado Paulo Renato (PSDB-SP), a proposta anunciada preliminarmente pelo governo é radical.

"O projeto prevê mudanças profundas, desde alterações nas alíquotas de recolhimento até o destino para aplicação dos recursos", afirma.

O atual ordenamento jurídico brasileiro estabelece que os recursos para a manutenção do Sistema são oriundos de contribuições mensais das empresas, encarregadas de recolher o equivalente a 2,5% da folha de pagamento ¿ 1,5% destinado aos serviços sociais e 1% aos de aprendizagem. O projeto de criação da Funtep prevê a inversão desses percentuais, de 1% para serviço social e 1,5% para aprendizagem.

De acordo com o ex-ministro, outro problema é a centralização das decisões do ensino profissionalizante na máquina pública.

"O MEC sempre foi bem com questões do ensino geral, mas nunca superou os desafios do ensino técnico", declara.

Para ele, as eventuais distorções do Sistema S não justificam a criação do fundo, que poderiam ser corrigidas pontualmente.

"Os problemas poderiam ser ajustados na própria lei, determinando a gratuidade dos cursos", exemplifica Paulo Renato.

Projeto inoportuno
O vice-presidente do Centro de Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) e presidente do Conselho de Estudos Avançados Fiesp/Ciesp, Ruy Altenfelder Silva, considera infeliz e inoportuno o projeto de criação do Funtep. Para ele, trata-se de uma intervenção indevida sobre um sistema que dá certo.

"Tudo que dá certo não deve ser mexido. Os cursos do Sistema S são escolhidos por colegiados das diferentes entidades, e os resultados podem ser comprovados pelos números", argumenta.

De acordo com o projeto, os recursos do Funtep passariam a ser alocados em fundos correspondentes aos setores das entidades - rural, industrial, comercial e de transportes - e sua divisão entre as unidades da federação teria critério diferente. Hoje, cada Estado recebe uma quantia proporcional ao que as empresas instaladas em seu território recolhem. Pela nova proposta, a prioridade para o repasse passa a ser o número de vagas ofertadas.

Para o presidente do Conselho de Administração do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) e ex-presidente do Conselho Federal de Educação, Paulo Nathanael, é boa a iniciativa de ampliar os esforços em torno da educação profissionalizante no Brasil.

"O que falta é educação e qualificação técnica para os jovens nos postos de trabalho. Penso que seja uma boa oportunidade de ampliar a rede", afirma Paulo Nathanel.

No entanto, ele tem dúvidas quanto à melhor forma para arrecadar recursos.

"Não sei quanto às repercussões que as alterações do Funtep implicarão, tampouco se é correto tirar esses recursos do Sistema S. O que tem que ser feito é investir na educação", diz.

O presidente do Conselho do CIEE também tem dúvidas em relação à centralização das decisões do ensino profissionalizante no âmbito dos ministérios.

"De um modo geral tudo isso deve ser administrado por quem vive o problema. A burocratização desses assuntos não beneficia a rede de escolas", afirma.

Em vez de criar grandes conselhos, Nathanel sugere o estabelecimento de comitês com autonomia para conduzir os projetos. De acordo com o Ministério da Educação, o novo fundo busca ampliar a oferta de cursos de formação profissional gratuitos e presenciais, focalizando, principalmente, alunos do ensino médio das escolas públicas e trabalhadores desempregados que recebem o seguro-desemprego. O governo federal, que sinaliza abertamente para a reforma do Sistema S, disse que a nova proposta marca o ponto inicial deste processo.

Não é o que entende a Confederação Nacional da Indústria (CNI), órgão de representação máxima do setor industrial, diretamente impactado pela criação do Funtep. Segundo a entidade, a proposta do MEC põe em risco o atendimento das crescentes demandas da indústria e conseqüentemente sua competitividade, já que implicará a redução da oferta de matrículas em qualificação e aperfeiçoamento. Em comunicado oficial, a entidade alega que "o setor produtivo conhece sua própria demanda, como as soluções para atendê-la". Ainda segundo a entidade, o êxito do Sistema S está fundamentado "na estabilidade dos programas ao longo de 60 anos e contraria os programas públicos brasileiros, que têm a marca da descontinuidade de ações com falha na gestão de recursos, que acaba por gerar problemas educacionais como o analfabetismo e a precariedade das escolas públicas".

e parte de premissas equivocadas (ver box), além de ameaçar romper com uma cultura de atendimento e prestação de serviços de alta relevância para a expansão industrial. Como conseqüência, afirma a entidade, "aumentará o déficit de recursos humanos qualificados, ampliará as desigualdades regionais devido à menor mobilidade do investimento para as novas regiões produtivas e haverá uma crescente desatualização tecnológica das indústrias".

Preocupação
Esta é uma preocupação expressa pelo gerente de Educação Profissional do Senai e membro do Conselho de Educação do Estado de Goiás, professor Manoel Pereira da Costa, que considera uma usurpação o Funtep ser criado com os recursos dos serviços de aprendizagem do Sistema, notadamente, Senai, Senac, Senar e Senat.

"O governo quer transformar algo que é da sociedade e que dá certo em algo para o governo. Perde o trabalhador, a sociedade e o Brasil", afirma.

De acordo com o gerente do Senai, a nova proposta irá impactar não só o ensino técnico, mas também o fundamental.

"A alteração das alíquotas de 1,5% para 1% dos serviços sociais irão impactar os projetos em andamento, sobretudo àqueles ligados à educação fundamental previstas nos serviços sociais", explica.

Após o período de debate, a proposta para a criação do Funtep, que integra um projeto de lei do governo federal, deverá ser encaminhada ao Congresso. De acordo como ex-ministro Paulo Renato, muito dificilmente será aprovado com rapidez.

Herança varguista
A criação dos organismos do Sistema S, particularmente o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Serviço Social da Indústria (Sesi), remonta à década de 1940, ainda no governo Vargas, quando o país iniciava seu processo de industrialização. Quando criado, os organismos do Sistema não tinham como atribuição o atendimento de políticas públicas, mas o atendimento das demandas dos setores da indústria e do comércio. Os serviços técnicos seriam núcleos de conhecimento para satisfazer as demandas de setores profissionais.

JB Online

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