quinta-feira, 24 de abril de 2008

Laptop para professores das escolas do Rio ajuda, mas confunde mestres

Andre Machado, O Globo 24/04/2008

RIO - Os 31 mil notebooks que o governo do Estado do Rio está entregando aos professores das escolas da rede públic a têm uma boa configuração, são vistos como uma iniciativa válida por alguns professores, mas outros apontam dificuldades. A velocidade da internet se mostrou razoável na casa do professor de Matemática Ricardo Viz, em Niterói. Mesmo fazendo uma verificação de vírus na máquina, ele acessou bem alguns sites relativamente pesados. Ricardo já está usando o notebook para preparar aulas no PowerPoint e em pesquisas. ( Leia também: secretária de Educação do Estado fala sobre o projeto )

- Creio que, para muita gente, ele vai facilitar a vida com essas ferramentas e permitirá aprofundar as pesquisas na internet em casa - diz Ricardo. - Já existem muitos computadores de mesa nas casas, mas não laptops. As aulas podem ficar mais interativas. Para mim, a internet é o principal atrativo, pois a utilizo muito para preparar as aulas. Tudo bem, a velocidade da internet não se compara à que tenho em casa, mas, para quem não está acostumado com uma velocidade mais rápida, a do notebook é satisfatória. Treinamento foi iniciado e interrompido
Por outro lado, a principal queixa dos professores tem a ver com a falta de treinamento para o uso do notebook. Nos NTEs (Núcleos de Tecnologia Educacional) chegaram a ser treinados em 2006 professores para laboratórios de informática. Seriam os orientadores tecnológicos das escolas. Entretanto, essa capacitação foi suspensa porque a gestão anterior da secretaria de Educação determinou que os professores voltassem a suas funções de origem nas salas de aula. Por isso, só quando o notebook começou a ser distribuído, os orientadores começaram a ser chamados de volta. Uma dessas pessoas era a professora de História Dalva Sartini, que não aceitou voltar.
- As dúvidas entre os professores são muitas. Enquanto estava no treinamento, fiz uma pesquisa na escola para saber o que eles queriam aprender na área, e a maioria ainda desejava saber como mexer no Word, no Excel - conta Dalva. - Antes de usar o laptop como ferramenta educacional, era necessário ter capacitação nisso.
Segundo ela, os NTEs são núcleos regionais e, se quiser se capacitar, o professor é que precisa procurá-los e agendar um curso. Dalva e André dizem que isso é complicado, dado o horário apertado e as muitas escolas onde os professores precisam dar aulas para sobreviver.
- Quem começa no Estado ganha R$ 500 - diz André. - E as escolas mais humildes não têm estrutura para uso do notebook em sala de aula, de modo que muitos professores dizem que vão usá-los apenas em casa (também por medo de serem roubados). A percepção é que essa iniciativa terá um uso político posterior.
Tereza Porto diz que o suporte ao uso dos laptops não é para ser feito nos NTEs, mas através do próprio serviço de suporte que o estado oferece, através de um telefone 0800 e de um endereço de correio eletrônico, informados no site do projeto (que tem um erro de crase), em www.riodigital.rj.gov.br/educacao . Só que, pelo jeito, está difícil de fazer contato. O GLOBO enviou um email para o endereço do suporte, como se fosse um professor, pedindo informações sobre o problema da velocidade na internet, e até o fechamento desta edição, dois dias depois, não havia recebido resposta. E o telefone?
- Liguei para lá para saber mais sobre o modem USB wireless (pensei em adquirir mais um) e só fiquei ouvindo a musiquinha. Ninguém atendeu - diz Marcello Rangel.
A professora de geografia Maria Alcina Quintela também ligou para o telefone, sem sucesso. Mas o motivo foi outro.
- Meu modem sem fio veio desabilitado. Estou tendo que ligar para a Oi para resolver isso - conta Maria Alcina, que trabalha num escola estadual em Botafogo. - Liguei para o 0800 da Secretaria e eles disseram que esse problema não é para ser resolvido lá, que o telefone só é para tirar dúvidas de informática, relativas ao curso em CD que vem com o laptop.
O curso em CD, a propósito, é bastante abrangente e, para os professores, o conteúdo deveria ter o acompanhamento de um instrutor.
- Para o professor que tem um filho, ou alguém mais jovem para auxiliá-lo na compreensão do conteúdo, vai ficar mais fácil acompanhar o CD - diz Marcello. - Mas acompanhar sozinho não é tão simples assim. Professores agradecidos, mas também ressabiados
Segundo Maria Alcina, a postura inicial dos professores em seu colégios foi de gratidão ("afinal, nunca se lembram da gente para nada", diz), mas, quanto ao uso efetivo do laptop, ela tem lá suas dúvidas.
- Já propus a um colega uma interatividade em sala baseada no laptop, em vez de ficar colando cartazes na parede, mas a reação foi: "não, não vamos andar por aí com isso não, podem roubar a gente..." - diz Maria Alcina. Ela conta que uma colega teve o notebook roubado no Herbert de Souza. - A iniciativa do governo é boa, mas parece que não foi muito preparada. Muitos professores têm dificuldade de usar o computador, principalmente na escola, e creio que o objetivo do projeto era justamente esse.
Segundo ela, os professores de sua escola já receberam o laptop há mais de 20 dias e poucos apareceram com ele na instituição.
- Eu já tenho uma noção de informática, principalmente nos softwares, mas nessa parte de internet sem fio estou meio perdida, ainda mais porque o modem não veio habilitado.
O problema do modem desabilitado não aconteceu só com ela, mas também com dois colegas seus. Já Marcello recebeu um CD de restauração com o sistema operacional Windows Vista (o sistema do laptop é o XP, como vimos). Ficou até animado com a possibilidade de instalação do Vista, mas esse sistema operacional, como se sabe, precisa de pelo menos 1Gb de memória para rodar a contento.
A instalação de novos programas, por sinal, não está prevista no projeto - afinal, o notebook é voltado exclusivamente para o trabalho.
- Nós assinamos um termo de compromisso ao receber o laptop, prometendo devolvê-lo caso nos desliguemos da escola por onde o recebemos - explica André. - Mas não há uma fiscalização disso. Já ouvi colegas dizendo que vão dar o notebook para os filhos.
Como as escolas da rede pública têm menos infra-estrutura que as privadas, há professores que certamente vão usar o notebook em conjunto com as ferramentas mais consolidadas (de apresentação, por exemplo) das escolas particulares. Muitos trabalham em diversas escolas ao mesmo tempo.
Finalmente, Marcello e Maria Alcina lembram que, na hora de transferir as notas dos alunos para o estado ainda há muita burocracia - no caso de Marcello, com papel em várias vias e, no de Maria Alcina, com disquete. Eles acham que o notebook pode ser uma ferramenta para maior integração com o sistema de notas estadual. Leia também:
Estado do Rio entrega laptops aos professores, mas há queixas de falta de treinamento e internet lenta

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