Por Gilson Jorge*
Especial para Terra Magazine
Uma amiga que morou em Salvador durante um ano e meio, entre 1999 e 2000, escreveu há poucos dias um e-mail anunciando sua vontade de passar as férias aqui, com sua filha de três anos, em janeiro de 2009. Estou a ponto de lhe dizer que escolha outra cidade. Em que pese o conhecido orgulho dos soteropolitanos pelo lugar, não tenho coragem de animar a quem quer que seja a vir a passeio.
A orla marítima da capital baiana parece ter sofrido um bombardeio aéreo, com as barracas de praia construídas em concreto na areia, por iniciativa da Prefeitura, e, logo depois, parcialmente destruídas por embargo judicial. O Pelourinho, onde minha amiga trabalhou como garçonete, está às moscas. E, assim como outras áreas de interesse da cidade, tomado pelas drogas e pela violência.
Não há o que se fazer em Salvador, além de ir ao Bonfim, colocar uma fitinha no braço e rezar pela cidade, antes de voltar correndo para o aeroporto. Na última vez em que fui a um restaurante do Centro Histórico, tive que enfrentar a fúria de um menino de catorze anos, no máximo, que se jogou à frente do carro e ameaçou arremessar uma pedra contra o vidro, caso não recebesse uns trocados. A tensão durou uns quatro minutos, até que um policial que passava pela rua quase deserta, onde se estacionam os veículos, gritou com o garoto, chamando-o pelo nome.
Cinco desses jovens que vivem pelas ruas de Salvador desapareceram do Porto da Barra, nas últimas duas semanas, segundo a percepção de um comerciante local. Teriam sido assassinados por envolvimento com drogas. Uma violência que assustou até mesmo os adolescentes que circulam pela noite, sobrevivendo de pequenos delitos. Esse comerciante disse que pela primeira vez, desde que se instalou por ali, caminhou de madrugada do Porto ao Farol da Barra e não viu meninos de rua. Ele não sabe se isso é um sinal bom ou ruim.
O Porto, assim como o Pelourinho, se transformou em uma cracolândia. Dois cartões postais da capital baiana, cada vez mais abandonados pelo poder público e, por tabela, pela sociedade. Poucos soteropolitanos se arriscam a freqüentar dois lugares (que já foram) dos mais aprazíveis da cidade. No Pelourinho, a falta de movimento levou quatro restaurantes a fechar as portas logo depois do Carnaval. Um desses estabelecimentos, que se mudou para São Paulo, era freqüentado por um servidor do primeiro escalão do governo estadual. Mesmo sendo fã da cozinha, o secretário não conseguiu dizer palavras que removessem a empresária de sua decisão de ir embora.
Se a insegurança afasta a classe média das ruas, a ausência do Estado permite que os pobres sejam reféns do tráfico. Nos últimos dias, proliferaram nos meios de comunicação soteropolitanos casos em que as pessoas são impedidas de ter acesso a serviços públicos em bairros controlados por gangues armadas. A Defesa Civil recebeu um chamado para avaliar casas com risco de desabamento no bairro de Narandiba, durante as chuvas do início de maio, mas o carro da equipe foi recebido a balas.
Médicos e funcionários dos Correios e das companhias de luz, água e telefone evitam transitar em ruas dominadas por traficantes e assaltantes. Segundo os dados do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios e Telégrafos do Estado da Bahia, publicados pelo diário Correio da Bahia, 90% dos 1.200 carteiros do Estado já sofreram algum tipo de violência. A TV Bahia veiculou esta semana a história de uma mulher que tomou para si a função de recolher periodicamente as correspondências suas e de seus vizinhos no centro de distribuição dos Correios, já que os carteiros não vão lá.
Salvador está entregue à violência e ao tráfico de drogas e a caminho da degradação. Justamente no momento em que a cidade começa a experimentar o que o prefeito João Henrique definiu recentemente como um "novo ambiente econômico". O mercado imobiliário efervescente está transformando paisagens e, favorecida pela melhoria da renda da população mais pobre, a capital baiana detém agora o quinto maior índice de potencial de consumo do país, à frente de Porto Alegre e Curitiba, de acordo com uma pesquisa divulgada recentemente pela empresa de consultoria Target.
O problema é que o dinheiro novo que está chegando às camadas mais abastadas tende a não circular pela cidade. Alguns novos projetos de condomínios de luxo estabelecem ilhas de consumo em que moradores não precisam se arriscar na cidade para fazer comprar ou se divertir. Shoppings, supermercados, bancos, tudo está disponível sem que os moradores tenham que ultrapassar os limites da guarita. A Salvador rica está sendo concebida para que se viva dentro das cordas, como nos blocos carnavalescos.Como dizia uma canção da baiana Camisa de Vênus nos idos de 80, isso está virando uma cidade-fantasma.
*Gilson Jorge é jornalista
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