domingo, 18 de maio de 2008

PROFESSORES NA BERLINDA: Atualização continuada deve ser revista

Publicado em 18.05.2008
Jornal do Commercio

Aprovação de apenas 6% dos candidatos no último concurso para a rede estadual de ensino coloca em xeque faculdades que oferecem licenciatura

Margarida Azevedo
mazevedo@jc.com.br

O baixo desempenho dos professores que se candidataram às vagas do último concurso para a rede estadual de ensino em Pernambuco (só 6% passaram) expôs o que especialistas em formação de docentes indicam há mais de um década: a necessidade urgente de reorganizar e atualizar os cursos de licenciaturas e pedagogia, levando para os câmpus universitários os problemas enfrentados no dia-a-dia da escola. Também a importância de investir em uma boa formação continuada para quem já está lecionando na rede regular de ensino. No Estado, segundo o Ministério da Educação, existem pelo menos 30 instituições de ensino superior que oferecem graduação em pedagogia e 20, com turmas de licenciaturas, totalizando mais de 4 mil vagas anuais para a carreira docente.

“Chegou a hora, seriamente, de rever a formação inicial do professor. Muitos chegam às salas de aula sem aprender o que deveriam estar ensinando”, constata a paulista Regina Scarpa, consultora da Fundação Victor Civita e especialista em formação de professores. “As faculdades não estão dando o devido peso às disciplinas didáticas. A formação geral e humanista é importante, mas o que é a matéria-prima do professor, a didática, o ensino-aprendizagem, tem que ser mais enfatizado”, complementa.

A Fundação Victor Civita encomendou à Fundação Carlos Chagas um estudo, previsto para ficar pronto em setembro, sobre os cursos de formação de professores no Brasil e sobre os concursos para docentes. “Uma análise ainda preliminar de 80 currículos mostrou a diversidade de disciplinas. Há exemplos de faculdades que, em uma mesma cadeira e num único semestre, ensinam conteúdo de educação infantil e ensino fundamental, que têm realidades completamente diferentes”, observa Regina Scarpa.

Para ela, é fundamental que os concursos avaliem o conhecimento didático do professor. “Saber sobre leis é importante, sim. Mas um concurso deve avaliar a capacidade do professor de dar aula, alfabetizar, planejar uma atividade. Por exemplo, que atitude tomará numa turma de 2ª série com 70% dos alunos alfabetizados e 30% não?”. Na opinião dela, as provas dos concursos deveriam conter questões abertas.

A diretora de Pesquisa da Fundação Carlos Chaga e coordenadora do estudo, Bernardete Gatti, afirma que o pífio resultado do concurso pernambucano não é exceção. De aproximadamente 27 mil candidatos no Estado, 94% não conseguiram obter a nota 6, mínima para assegurar a aprovação. O maior número de reprovações ocorreu nas disciplinas de conhecimentos específicos (23.377), seguida das disciplinas de conhecimento pedagógico (19.428) e português (11.889). A seleção foi organizada pela Universidade de Pernambuco (UPE).

“Isso sinaliza a formação precária dos cursos de pedagogia e licenciatura. As faculdades estão se proliferando de maneira descontrolada e sem que se saiba como estão funcionando. Os professores chegam ao concurso sem dominar a língua portuguesa, com erros de grafia e concordância, frases incompletas ou sem sentido”, conta Bernardete Gatti. Ela acha que o governo federal deveria acompanhar mais de perto essas instituições. “Praticamente não existe vestibular para essas faculdades. Então você não sabe exatamente qual o conhecimento que esse aluno têm”, observa.

RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA

O físico e professor da Universidade de São Paulo (USP) Luis Carlos de Menezes defende que, semelhante ao que ocorre com a carreira médica, os recém-formados nos cursos de pedagogia e licenciaturas sejam submetidos a uma residência pedagógica. “Nas universidades, a formação do professor virou subproduto, deixou de ser prioridade”, observa. “Tem que valorizar a formação dele junto à escola. Só poderia ter o diploma depois que passasse por um período de regência.”

O diretor do Centro de Educação da UFPE, José Batista, concorda. “Quanto mais a prática se aproximar da teoria, melhor”, diz. Assim como Bernardete Gatti, ele considera que o MEC deveria ser mais rigoroso no controle dos cursos. “Na década de 90 houve um boom de faculdades privadas, que não investem em pesquisa, os professores são horistas e não têm dedicação exclusiva”, ressalta Batista. São esses profissionais que entraram nessas faculdades há pouco mais de uma década que estão hoje ingressando no mercado de trabalho.

Falta investimento na profissão


Leandro Peixoto, 39 anos. Graduado em Letras pela Universidade de Pernambuco (UPE). Professor de português em duas escolas estaduais do Recife, uma no Centro e outra na Zona Norte. Há 11 anos em sala de aula. Em um colégio, recebe cerca de R$ 600. No outro, pouco mais de R$ 900. No fim do mês, não chega a R$ 1.200. Casado e pai de dois filhos, morador de Nazaré da Mata, na Zona da Mata pernambucana, tem pouco tempo para planejar aulas. Dinheiro para investir na profissão? Cursos, pós-graduação, livros? Nem pensar. Não há como pagar.
A história de Leandro não é exceção. Faz parte da maioria dos docentes brasileiros. Com baixo rendimento – Pernambuco, segundo levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), do Ministério da Educação (MEC), tem o pior salário de professor do País – os profissionais de educação têm que fazer malabarismos para sobreviver. Não é justificativa para não desenvolver trabalho com qualidade, mas se houvesse melhores condições, segundo os especialistas, a docência na rede pública de ensino seria menos desgastante.

“Tive uma boa formação na faculdade. Mas o tempo de estágio – 30 horas, em um semestre – é pouco. Não dá para perceber como é a profissão”, diz Leandro Peixoto. “Nesses 11 anos na rede estadual passei por poucos cursos de formação. Nessa gestão não aconteceu nenhum ainda”, conta o professor. “Nas duas escolas onde ensino não há suporte pedagógico. Se surge um problema nessa área, ou a gente se vira sozinho ou conversa com um colega”, destaca Leandro Peixoto, que sonha ser aprovado em um concurso público para ter melhor salário.

Prestes a se formar em licenciatura em história na UFPE, Fernanda Emanuela, 23, diz que sempre teve o sonho de ser professora. Não se intimida com a realidade que vai enfrentar. “Quero ensinar na rede pública. Fiz um bom curso, mas concordo que a prática de ensino deveria começar no início da graduação”, afirma a estudante, estagiária de uma escola estadual da Várzea.

Colega de universidade de Fernanda, Renildo Ferreira, 23, termina a licenciatura em física no próximo ano. Sempre foi aluno da rede pública de ensino. Não teve professor de física nem de matemática no 3º ano do ensino médio. Nem por isso pensa em lecionar em colégios públicos. “O Estado não oferece condições de trabalho. Se puder optar, vou preferir ensinar em escolas particulares.” Renildo Ferreira pretende, tão logo termine a licenciatura, ingressar no curso de direito para ter chances de passar em um concurso público.

A baixa concorrência no vestibular das principais universidades e faculdades denuncia: a carreira docente não atrai a maioria dos jovens. Quem opta por esses cursos normalmente é o estudante da rede pública, que identifica na pequena procura a chance de conseguir ingressar no ensino superior. Letícia Fragoso, 18, e Henrique Victor, 17, não fazem parte desse grupo. De classe média e alunos de um colégio particular do Recife, são candidatos a licenciatura no vestibular. Os únicos em uma turma de cem estudantes.

Currículos da UFPE vão ser reformulados


Os cursos de licenciatura e pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) deverão passar em breve por mudanças no currículo. Segundo a pró-reitora de graduação, Ana Cabral, ainda este semestre o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da universidade aprovará novos currículos, que vão possibilitar disciplinas práticas já no início das graduações. Atualmente, somente nos anos finais dos cursos é que os estudantes têm contato com as escolas e vivências em salas de aula.
“A partir da aprovação no conselho caberá aos coordenadores dos cursos se organizarem para implementar as mudanças”, explica Ana Cabral. Há na UFPE 3.295 alunos matriculados nas licenciaturas ou em pedagogia, no câmpus do Recife, segundo a pró-reitora. A Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e a Universidade de Pernambuco (UPE) são as outras duas instituições públicas no Estado que têm cursos na área de formação de professores.

Um levantamento realizado pela pró-reitoria acadêmica da UFPE indica que cerca de 20% dos alunos dessas áreas são reprovados por falta ou por nota. Os estudantes de matemática são os que mais preocupam – a taxa de reprovação nessa licenciatura é de 50%. Em seguida vem física (43,5%) e química (41%), justamente as áreas mais carentes de professores no País. “É uma realidade nacional. O alto índice de reprovação nas licenciaturas não é somente na UFPE, ocorre em todo o Brasil”, ressalta Ana Cabral.

Na Rural, a pró-reitora de ensino de graduação, Maria José de Sena, diz que é feito um acompanhamento dos concluintes das licenciaturas. “A maioria é aprovada nos concursos a que se candidata”, afirma. “Mas é preciso uma reflexão sobre os cursos de formação em geral. Estamos com 18 bancas para selecionar professores para a universidade. Em cinco não tivemos aprovados. E estamos falando de candidatos de terceiro grau, têm mestrado ou doutorado”, enfatiza Maria José.

Atualização continuada deve ser revista


Não é somente a formação inicial do professor que merece ser revista. Muitos dos cursos de formação continuada, oferecidos pelas secretarias municipais e estaduais de Educação, são criticados por educadores e pelos professores que participam desses encontros. Países como a Finlândia, que tem os melhores índices educacionais do mundo, provam que investir na contínua formação e atualização do corpo docente é um dos caminhos para assegurar qualidade no ensino.
“Formação continuada não é chamar uma pessoa importante para dar palestra e pronto. Formação continuada e permanente é constituir equipe técnica que dê suporte aos professores e cobrar dessa equipe responsabilidades. É garantir que nas escolas haja reuniões periódicas para planejamento, para conversas entre os professores sobre o aprendizado dos alunos”, ressalta a especialista em formação de professores Regina Scarpa.

Bernardete Gatti, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, concluiu, ano passado, um estudo sobre programas de educação continuada. “Praticamente não têm efeito. Na maioria das vezes são feitos por pessoas com pouca ou nenhuma experiência na prática cotidiana das escolas. É como fazer furo em água. Dinheiro investido que não tem retorno”, diz. Se houvesse uma boa formação inicial, os cursos de capacitação serviriam para atualização nas áreas específicas, em vez de suprir as deficiências da faculdade.

O MEC criou este ano a Diretoria de Educação Básica. Um dos objetivos é formar professores para educação básica. Também foi instituído um conselho para, entre outras atribuições, avaliar cursos de pedagogia e licenciaturas e discutir propostas e diretrizes para formação inicial e continuada dos docentes.

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