domingo, 23 de março de 2008

Bico ajuda professor a viver

Publicado em 09.03.2008 - Jornal do Commercio

Enquanto o piso nacional não sai do papel, docentes do Estado, que têm os piores salários do País, adotam outras profissões

Margarida Azevedo
mazevedo@jc.com.br

José Cardoso de Azevedo e Silva, taxista. Peronivalda Montelares, vendedora de roupas. Maria Agnalda Cunha, corretora. Todos são também professores. Mas como o salário que ganham para ensinar na rede pública não dá para pagar as contas no fim do mês, eles complementam a renda adotando outra ocupação. O bico é uma realidade cada vez mais comum em Pernambuco, que tem o pior salário pago a docentes da educação básica no Brasil, conforme levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do Ministério da Educação (MEC). Os profissionais pernambucanos ganham em média R$ 831 mensais, valor quatro vezes menor do que recebem os do Distrito Federal (R$ 3.371), que tem a remuneração mais alta do País.
A implantação de um piso salarial nacional, no valor de R$ 950, é uma das chances de melhoria na vida daqueles que passam o dia nas salas de aula. O problema é que a proposta do MEC (e que faz parte do Plano de Desenvolvimento da Educação, o PDE) ainda não saiu do papel. O Congresso Nacional não cumpriu o prazo de regulamentação da lei, que previa a implantação do piso a partir de janeiro deste ano. É por isso que a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) programou para a próxima sexta-feira (dia 14) uma paralisação em todo o Brasil. As escolas públicas estarão fechadas para pressionar a aprovação do projeto, emperrado na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, em Brasília.
“Não acredito na implantação desse piso”, diz Cardoso, professor de matemática há quase três décadas da Escola Estadual Marcelino Champagnat, localizada em Tejipió, Zona Oeste do Recife. Por mês, ele ganha R$ 1.270. Com os descontos, fica em R$ 964, valor repassado quase integralmente para a pensão dos filhos. “Uma vez meu ex-sogro me viu aperreado com a falta de dinheiro. Propôs que eu rodasse com o táxi dele. Desde então, não parei mais. Nos horários em que não estou na escola, pego passageiros nas ruas”, relata Cardoso. Por dia, o professor-taxista calcula que consegue pelo menos R$ 40, já tirando o gasto com o combustível. “Não penso em deixar de ensinar pois gosto muito da docência. Mas não dá para manter família apenas com o que ganho como professor.”
No fim do mês, Agnalda tem que escolher quais contas não serão pagas. “Faço um sorteio para decidir quem vai ficar sem receber. Como sempre estou devendo a alguém, meu nome normalmente vai para o SPC (Serviço de Proteção ao Crédito)”, relata Agnalda, que ganha pouco menos de R$ 1 mil. Para complementar os dois salários que recebe (é professora da Escola Estadual Nestor Gomes, em Vila Rica, e coordenadora da Escola Municipal Visconde de Suassuna, no mesmo bairro, em Jaboatão dos Guararapes), ela dá aulas particulares no intervalo entre um emprego e outro. Também agencia pessoas interessadas em empréstimos, quando ganha um pequeno percentual sobre o valor emprestado. Viúva e mãe de três filhos, mal tem tempo para se alimentar e cuidar da saúde.
Já Peronivalda, colega de Cardoso, vende roupas para complementar o salário de R$ 711. Como Agnalda, diz que está sempre devendo a alguém. “Pode perguntar aos bancos qual é o profissional que mais pede empréstimos. Nós professores atuamos com muito sacrifício e sofrimento, mas não temos o reconhecimento que merecemos. Só mesmo o amor à sala de aula para nos manter atuando.”

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